domingo, julho 23, 2006

Teimo sempre que o açúcar não bem dissolvido e deixo os dedos colados à colher, às voltas, às voltas, como se uma diversão qualquer. Há coisa de dias, à distância comedida que se quer entre quase desconhecidos, decerto com o lábio inferior a distanciar-se a medo do de cima, se mantenho as coisas assim, é por os ver mais animados. Empurrei os olhos coisa de alguns palmos à direita e uma marca de transpiração de dedos de uma resignação amordaçada na mesa.
Retomei o açúcar e, entre uma e outra volta, arrastado, qualquer dia faço-o mesmo. Como que de dedo em riste contra a rouquidão, sabes? A auto-assistir-se, dirias. A sair-lhe ela e não a parte malhada de muitos outros. Visita de hora de a minha tia de luvas de borracha e detergente de loiça, a ouvir o que a torneira deixa.
Regresso-me, como se uma diversão qualquer, porque a minha vontade de então deixe-se dos outros, de ser o que eles dizem que é começou a tremer de fraqueza, a ver manchas brancas, a desfalecer. Por isso e porque talvez nem sempre haja quem fale em voz baixa, o suficiente para nos escutarmos, como dizias. O açúcar já todo só café.
Não, talvez até não por isso, mas porque a gritaria dos outros, a mão que não é nossa a moldar-nos a forma seja modo de nós de punho cerrado para nos sermos. Uma espécie de rascunhem, que hei-de passar como quiser.
Mas eu às voltas, às voltas.

terça-feira, julho 18, 2006

“Deixa de te escutar”. Levei anos a ouvir este safanão. E a tecer laboriosamente a minha surdez. Porque os outros é que sabiam, eu não tinha razão. Nem me conhecia. Vivia comigo há tão pouco tempo, ainda estranhava a minha companhia (ainda estranho, confesso, ainda me olho de soslaio, como a uma velha companheira de quarto que não é de fiar). Eles é que sabiam, pois. Talvez ainda saibam, não sei. Como também não sei o que nos enrouquece. Suponho que, curiosamente, sejam os gritos dos outros. As perguntas que arremessam, como dizias. Deixei de me escutar, portanto. Deixei que me gizassem. Fui passando a tinta o rascunho. Outra forma da assistência intermitente de que falavas. De auto-assistência , talvez. De nos vermos ao longe, como se não estivéssemos em nós. Talvez, um dia, alguém me passe um corrector e me restitua à forma original. Ou me obrigue a fazer as pazes com a companheira de quarto, a dar-lhe dois beijinhos, de sorriso contrafeito. Talvez alguém fale para ouvir, não para se ouvir. Talvez alguém me peça que fale - mas não apenas para poder retorquir. Talvez alguém fale em voz baixa. O suficiente para me escutar.

sábado, julho 01, 2006

Não bem zanga, mas aquela irritação miudinha no rapar do prato por o marido de pescoço firme, a fazer ângulo de 45º com o tampo da mesa. E, se alguma pergunta, a teimosia do pescoço a fazer braço-de-ferro com os olhos em frente, pesados de um nervosismo que fica já a meio passo da desistência.
Por mim, preocupava-me em empurrar colheres até ver o fundo do prato.
Mas dizia que, se alguma pergunta, o pescoço sempre em posição e a resposta já no seu destino. Por vezes, olhos de ir riscando os dias, como dizias, sempre na mira da sopa, e era ele próprio quem arremessava a pergunta. E palavra que, mesmo que a resposta do outro lado fosse daquelas de só abanar a cabeça e deixar pálpebras a meio ou fazer subir ombros, continuava o rabisco da conversa sem falhas, a contornar os qualquer dia furas o prato com os olhos.
Cumpria o meu papel de assistente intermitente. Cumpro. Por isso acabo por fugir para histórias de quem esteve quase lá.
Lucidez demasiado pesada? Digo o comer de olhos presos ao prato.
Se cada um a levar-se aos outros, a trazer-se a si próprio, certo, certo do que diz (ouve?), sem desentendimentos a que deitar mão, sem irritações miudinhas, sem qualquer dia furas o prato com os olhos, talvez não houvesse que criar. Tudo a ser o que é. Talvez por isso o ângulo, os muros de si mesmo difíceis de saltar, de que falas, sempre seguros.
E eu que raro vejo o fundo do prato.