quinta-feira, novembro 23, 2006

Cheguei a um ponto de não precisar copiar o movimento porque as mãos, mais a direita, certas, comandadas pela graça de um deus que me tinha o tamanho da catequese e daquele momento, até ficarem juntas. Isto, às vezes, depois de uma história sobreposta à de um dia antes, mas que nunca me emudecia o oxalá hoje haja história. Porque naquilo que às vezes falha a repetição encaixa.
Lembrei-me disto porque um homem que é só cadeira se levantou um dia destes, a coca-cola na mão pouco certa, estendida por cima do balcão, a recuar centrado num obrigado a bater na língua. E a empregada, senhora de dias bem cumpridos, para outra, diminuiu um bocadinho o olho direito e subiu o ombro esquerdo, ao que a outra, um estalido de quando a língua deixa o céu da boca de repente, os olhos a encostarem-se ao chão, que é aquilo a que se encostam quando qualquer coisa. Quase me ia a mão direita a escorregar, certa, direitinha, mas eu a tempo. Porque ainda uma teimosia de sacudir o deus que me entranharam.
Mas falava-te era do decalque da história, das frases que nos disseram, que dissemos, que ficam num ritmo de entretanto, quase tudo a mexer-nos num agora que deixa de o ser porque todo com os espaços cheios do que se tem sido.
Mas foi-me a mão na mesma e acabaram as duas juntas porque nos entranharam para o podermos culpar quando é altura disso.

quarta-feira, novembro 01, 2006

É que as coisas nunca mais são as mesmas. Nunca mais. Por muito que se procure ajeitá-lo, o vestido já está fora de moda, compreendes? E por muito que tente, aquela nódoa de nada não sai. E os olhos caem-me sempre nela sem querer. Apuro-os, fecho-os, portanto, a ver se vejo como antes, a ver se me vejo como antes, mas a manchazinha a alastrar cada vez mais, a cobrir-me toda. Apetece guardar depressa o vestido. Desistir de o usar, de o ver sequer. É que as coisas nunca mais são as mesmas. Ainda aliso o cabelo, ponho o melhor sorriso e abro a porta. Ainda penso numa frase antiga que surtia efeito... como é que era? Aquela que se multiplicava quase sempre no mesmo diálogo. Que trazia com segurança os mesmos gestos familiares. Uma espécie de senha. Mas calo-me, calamo-nos, a pressentir que nos traímos em palavras, a perceber que escorregámos para fora das sílabas do que diríamos se não estivéssemos tão aqui. Se eu de antes não fosse também de agora. Se não tivesse havido entretanto. Se conseguisse a pureza de viver sem recordar. Sem saber sempre o fim. É que sei quase sempre o fim. Mas procuro, na voz que regressou, a voz de sempre. E só, às vezes, certas palavras. O presente a desvanecer-nos. E eu a ver se acerto, desta feita. Se digo tudo, se digo tudo bem. Se faço exactamente o que se espera. O que teria feito. É que a culpa é sempre minha. Atrapalho-me. Balbucio disparates. A mão a mal esconder a nódoa. A ver se me imito totalmente, se acompanho os passos que se aproximam, que se hão-de afastar depois. Mas eu em silêncio, a assaltar as palavras, a tentar ouvir um estalido, a ver se consigo a combinação perfeita. Eu a ler-me nos olhos que me lêem, a mancha a inundar-me. Eu sempre a pedir Não vás... com outras letras.