sábado, maio 20, 2006

Nada a fazer. Os fantasmas das palavras e das pessoas convivem-nos, assombram-nos as horas e não há qualquer fita que as isole de nós - ou que nos isole delas. Ou talvez não queiramos, de facto, ser isolados, talvez desejemos, sim, essa dança com o que foi, isto é, com o que julgamos ter sido. De forma que é fazer do vento música. Vais dizer-me que é triste fazer de B A e tens razão. Mas mais triste é matar o que já não é só porque não é. Ou porque não é o que se esperava (nada nunca é o que se espera – acho que já mo disseste. E só o desejo é perfeito, aprendo-o com todos os dias esborratados que me apresso a destruir. Com todos os dias por ser). Também te disseram, suponho, para matar o que já morreu, viver o presente e tal. Ou pensar no futuro e tal. Mas suspeito que dançar com os fantasmas é a única forma de morrerem de morte natural, como, de resto, todos os domingos (é impressão minha ou a memória chuvisca aos domingos?). É fazer do vento música, portanto. Mesmo que a morte do que foi também seja a do que fomos. Mesmo que, nessas noites sem isolamento, o passado acabe, invariavelmente, por nos pisar.

3 comentários:

Margarida disse...

Resta-nos aprender a dançar... - enquanto se espera que o vento se transforme em vento.

Paulo Cunha Porto disse...

Querida Margarida:
«fazer do vento Música», dizes; seria trazer o Passado assombrador a vórtice da regeneração do Futuro. Como no «MONTE DOS VENDAVAIS», lembras-Te? para que nós nos lancemos na direcção dos fantasmas que nos inquietam e nos tornemos menos maus, ao mesmo tempo que lhes damos a paz de que eles mostram precisar, para não arrastarem mais as correntes do desespero. É também uma perfeição do desejo, por muito que se exima à condenação à vivência exclusiva no Presente. Porque, na memória que faz reviver, não somos tão pisados quanto transfigurados.
Beijinho. A Tua prosa encanta mais do que nunca.

Margarida disse...

Bem, Paulo, uma associação interessante: o vento e o passado são, de facto, a matéria de que O Monte dos Vendavais é feito - ou de como o passado pode ser de facto poderosíssimo e destruidor. Ainda que não consiga deixar de admirar o protagonista na sua luta desesperada e amarga contra o tempo e a morte. Como somos quase só passado, é natural que o queiramos vivo, porque isso garante a nossa própria inteireza. O que é preciso é que sejamos nós a conduzir a dança...
Obrigada pelo "galanteio".