quinta-feira, maio 25, 2006

A tarde de ontem foi-me de horas escorregadias, a deixar-me pernas aflitas de passos a mais a fazer peso numa cadeira de esplanada e olhos cheios daquela angústia que nos vem de não compreendermos certas partes. Ao contrário de hoje, um dia cheio de medidas.
Dizia-te que ontem, coisa de três, quatro passos ao meu lado, outras duas cadeiras – uma com um corpo e uma sem nada. Um corpo de cara já pouco lisa, de olhos amarrados à altura de uma cabeça que não havia. E, pouco depois, aparece um posso?, não percebi de onde, já de braço estendido convicto da resposta. Mas que não, que não podia, que a cadeira ocupada. E os olhos, naquele meio ponto que deve ficar entre a zanga e a tolerância, retomaram o fio.
Falavas-me de uma dança com fantasmas? Talvez isso.
A sério que eu com a cabeça em encontrões de indecisões, que, se toda eu lucidez, me tinha levantado e deitado ao de braço estendido convicto da resposta que lata! Tirar lugar a quem já estava! Mas já as mãos nos braços da cadeira e chegou-me a parte da preocupação com o entretenimento da cabeça dos outros em relação a mim. Deixei-me.
Horas de o sol já gasto, e o da cara pouco lisa de pé, a afastar um pouco a outra cadeira com mãos todas delicadeza. E via-se-lhe, entre as dobras marcadas da cara, a tarde bem pintada.
Mas deixei-me.
Se falavam? Era capaz de te jurar que ouvi murmúrios. Uma tarde de horas escorregadias.
E deve ter guardado o dia. De B A, mas bem pintado.

4 comentários:

Paulo Cunha Porto disse...

Querida Júlia:
Um "não" é palavra terrível, já o Sermonário o dizia; e o contraponto está sempre na sofreguidão do acolhimento dispensado por outro fantasma, aquele que ainda não sabia sê-lo.
Conclusão: os fantasmas não comunicam entre si, a preferência que os faz é assombrar o mundo dos viventes. Mas a culpa é partilhada, na medida em que não queremos que alguém mais lhes ocupe o lugar.
Beijinho. Sem Buuuuh!... para o melhor e para o pior.

Júlia disse...

Tenho de concordar com a partilha da culpa, Paulo, com a nossa reluctância em deixar o presente preencher o vazio.
Muito interessante o conceito de um fantasma que "ainda não sabia sê-lo" - provavelmente matéria a desenvolver em próximas linhas.
Beijinho!

George Cassiel disse...

Muito bom.

Júlia disse...

Ao George Cassiel, obrigada pela visita e pelo apreço- ambos recíprocos.