“Deixa de te escutar”. Levei anos a ouvir este safanão. E a tecer laboriosamente a minha surdez. Porque os outros é que sabiam, eu não tinha razão. Nem me conhecia. Vivia comigo há tão pouco tempo, ainda estranhava a minha companhia (ainda estranho, confesso, ainda me olho de soslaio, como a uma velha companheira de quarto que não é de fiar). Eles é que sabiam, pois. Talvez ainda saibam, não sei. Como também não sei o que nos enrouquece. Suponho que, curiosamente, sejam os gritos dos outros. As perguntas que arremessam, como dizias. Deixei de me escutar, portanto. Deixei que me gizassem. Fui passando a tinta o rascunho. Outra forma da assistência intermitente de que falavas. De auto-assistência , talvez. De nos vermos ao longe, como se não estivéssemos em nós. Talvez, um dia, alguém me passe um corrector e me restitua à forma original. Ou me obrigue a fazer as pazes com a companheira de quarto, a dar-lhe dois beijinhos, de sorriso contrafeito. Talvez alguém fale para ouvir, não para se ouvir. Talvez alguém me peça que fale - mas não apenas para poder retorquir. Talvez alguém fale em voz baixa. O suficiente para me escutar.
terça-feira, julho 18, 2006
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7 comentários:
talvez, e até esse alguém falar tão eloquentemente com a sua escuta, não deixes de sussurrar-te as palavras que escreveste. é um outro silêncio, um outro grito, um outro escutar. beijinho. obrigado pela visita. volta sempre à madrugada. J
Obrigada pela visita, pelas palavras sussurradas e pelo beijinho. Hei-de ir retribuindo.
"Volta sempre à madrugada", como pode ter múltiplos sentidos, é um apelo recíproco.
Beijinho.
Ler os textos da Margarida e da Júlia é como esquiar espiralmente por uma caleidoscópio de múltiplas vozes que crescem no húmus da sabedoria do tempo e da carne. E ficarmos estonteados com banhos de lucidez que ora magoam oram acariciam ora nos envolvem com o manto da cumplicidade.
Obrigada pelas palavras, Mito. Relembro que é expressamente proibido escrever comentários mais interessantes do que os posts!
Beijinho!
Obrigada, Marta. E quando é que a Estrada recomeça?
Confundi-te comigo própria.O mesmo nome levou-me a pensar que estaria a ficar senil ao ponto de me elogiar publicamente.Desculpa.
Parabéns pelo blog! Gostei,vou voltar.
Não faz mal, Parole, o meu receio era ter dito alguma tolice. Como às vezes comento à beira do sono, podia ter confundido blogs ou cortado palavras ou pior. Eu é que repito os parabéns pelo Palavras de Sabão -e hei-de continuar a lá ir para ler, ouvir e ver - mesmo que me apagues os comentários ;)
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