sexta-feira, outubro 06, 2006

Como ficava sempre a ser só um com a televisão à hora do telejornal, nunca me dei conta disso. Por mim, não podia mais que movimentos quase nada, a peúga a gritar-me ser puxada para cima ficava já a demasiada distância, porque era só a curva do tronco, ainda a meio, e sossega!
Não me dei conta porque nunca o vi fora dela àquela hora. Só agora o sei. Devo ter sido isso, quase toda um sossego ao lado de um corpo grande, com um bater ritmado de dedos em cima da mesa, mas coisa que agora me parece miudinha, quase desejável. Julgo ter sido, como dizias. Ao fundo, os olhos do homem fixavam-se em mim, não no resto do sofá, enquanto me andava a cabeça em torradas, na minha avó está bem assim, o leite? e na meteorologia a demorar-se. E já para ser outra que não a de hoje.
A peúga numa comichão que não há mas parece, a perna a pôr-se em linha recta, um estalido traidor do joelho, sossega!
Talvez não se consiga ser por um pode dar um jeitinho? num autocarro só gente e nós que até o dávamos, mas o espaço que não há e alguém a mandar-nos não ser mais que um corpo posto. Digo dentro de nós, o lábio ansioso por o dedo lhe chegar à frente, sossega. Digo partes dentro de nós. Por já não se querer torradas, leite e está bem assim?
E há, sei que há quem tenha torradas mesmo antes do estado do tempo, mesmo antes de o homem engravatado deixar de olhar para o sofá.

9 comentários:

nuno disse...

essa invisibilidade tão presente nos "movimentos quase nada" em que estar ou ir acontecendo é "não ser mais que um corpo posto"... olham-se, mas já nada os vê...

gostei muito, Júlia.

Júlia disse...

Podia até ter título - esse mesmo, "estar ou ir acontecendo". Coisa de quem lê vendo mesmo. Obrigada, Nuno.

oldmirror disse...

Bem escrito. Voltarei no próximo.

sinais-de-fumo.blogspot.com

Júlia disse...

Obrigada pela visita e pela leitura, Oldmirror.

Quarto do Tempo disse...

Sempre Júlia....acontecendo em cada
palavra.

Júlia disse...

Obrigada, Paulo. É verdade que se vai acontecendo em algumas palavras, mas, na maioria, fica-se no espaço entre o que se diz e o que se queria dizer. Menos mal, porque é por isso que se diz.

Quarto do Tempo disse...

...dois espaços, três entidades, assim se acontece em cada palavra, talvez por isso se escreva, talvez por não saber como dizer. Talvez.

Clarissa Felipe disse...

Gostei, gostei muito.
"movimentos quase nada"

Beijo.

Júlia disse...

Obrigada, Claire. Passamos boa parte nisso, em "movimentos quase nada", como quem vai a medo e acaba por se ficar.

Beijo.