sábado, julho 01, 2006

Não bem zanga, mas aquela irritação miudinha no rapar do prato por o marido de pescoço firme, a fazer ângulo de 45º com o tampo da mesa. E, se alguma pergunta, a teimosia do pescoço a fazer braço-de-ferro com os olhos em frente, pesados de um nervosismo que fica já a meio passo da desistência.
Por mim, preocupava-me em empurrar colheres até ver o fundo do prato.
Mas dizia que, se alguma pergunta, o pescoço sempre em posição e a resposta já no seu destino. Por vezes, olhos de ir riscando os dias, como dizias, sempre na mira da sopa, e era ele próprio quem arremessava a pergunta. E palavra que, mesmo que a resposta do outro lado fosse daquelas de só abanar a cabeça e deixar pálpebras a meio ou fazer subir ombros, continuava o rabisco da conversa sem falhas, a contornar os qualquer dia furas o prato com os olhos.
Cumpria o meu papel de assistente intermitente. Cumpro. Por isso acabo por fugir para histórias de quem esteve quase lá.
Lucidez demasiado pesada? Digo o comer de olhos presos ao prato.
Se cada um a levar-se aos outros, a trazer-se a si próprio, certo, certo do que diz (ouve?), sem desentendimentos a que deitar mão, sem irritações miudinhas, sem qualquer dia furas o prato com os olhos, talvez não houvesse que criar. Tudo a ser o que é. Talvez por isso o ângulo, os muros de si mesmo difíceis de saltar, de que falas, sempre seguros.
E eu que raro vejo o fundo do prato.

3 comentários:

Anónimo disse...

Gosto muito do que escrevem, parabéns.:)

Júlia disse...

Obrigadas pela visita, A. e por te atreveres a escrever tão bem.Gostamos do teu atrevimento.

Obrigada, Jorge, pela poesia que misturas nas tuas palavras e que as fazem saber melhor.

Beijinhos a ambos.

João Oliveira Santos disse...

Estas «mal traçadas linhas» são de facto muito boas. Obrigado Margarida, obrigado Júlia