segunda-feira, setembro 04, 2006

Como quando às vezes se dorme, de um dormir de se estar sem membros, sem corpo, sem nada que nos pertença, os olhos em linha, de pálpebras subidas sem vacilar. Nós extraviados, como dizias.
Eu extraviada, coisa que às vezes até dura, mas se alguém ficas?, a interromper-me, volto num tempo que nem dá para contar, uma espécie de toque incómodo não sei bem onde, porque o regresso ao que somos levanta sempre o queixo um bocadinho e, sem voz, bate-nos com um o que é? perante o nosso espanto de voltarmos.
Mas às vezes dura, não é mesmo nada, nem outras vidas, nem outros olhos a desviarem-se a medo, nem outras angústias. Só os olhos num ponto mínimo, penduradinhos, sem desvios, como ficam para sempre nas fotografias. Só se sai, mais nada.
Depois o ficas? e o queixo de o que é? como se não devêssemos ficar espantados de voltarmos, como se o levantar-me para não ficar devesse ser natural, uma transposição simples.
Não, não, mentia, não sei se o ponto é mínimo, não o vejo, só fico assim, não é mesmo nada, nem outras vidas, nem outras angústias, nem outras solidões. Ficas?

12 comentários:

paulotpires disse...

Na navegação por vezes naufraga-se, hoje encontrei um bom porto...

Maria Carvalhosa disse...

Fico, claro. Já tinha ficado com a Margarida. Agora fico também contigo, Júlia. Têm ambas uma escrita que muito aprecio.

Um abraço.

Júlia disse...

Obrigada por teres entrado, Marta. Nem sempre é coisa fácil, isto de se entrar na escrita dos outros. Mas vai-se chegando, cada um a seu modo.

Ao Paulo, ainda bem que encontrou um bom porto nesta leitura. Na escrita, julgo, raro se atraca.

Agradeço, por mim e pela Margarida, o facto de ter ficado connosco, Maria.

celso serra disse...

"Só se sai, mais nada." Mais uma vez, gostei!

Júlia disse...

Obrigada por nos ler, Celeman.
E é mesmo isso, um não se estar por cá que acontece.

nuno disse...

há dias em que penso se perdemos a totalidade do nosso silêncio e se nos é dado apenas falar quando o corpo não chega para que um espaço se conclua...

Júlia disse...

Amarylis, (quase) recomposta do embaraço de tamanho elogio, agradeço, por mim e pela Margarida, a visita e as palavras que nos deixou. Por aqui, vai-se escrevendo o que se ouve dentro. Por vezes, com filtro, por outras, é quase isso mesmo. E é bom ter leitores assim, a seguir-nos as mãos como quem vai dentro.

Quanto a A voz que trai, tem razão, é, decerto, espaço de se ficar.

Júlia disse...

Nuno,

talvez isso. Talvez o corpo não chegue a quem não se deixa ficar no aconchego(?) do silêncio. E com isso a escrita, a sossegar e a inquietar, como quem sabe ao que vai, mas precisa de dizer.

Quarto do Tempo disse...

Não é fácil partir de vós. Vou ficar enquanto quiserem nas linhas que deixam ao sabor de quem as leva
Bonito Júlia.

Júlia disse...

Obrigada pela visita, Paulo. Também não é fácil partir do Quarto do Tempo.

Vítor Leal Barros disse...

cheguei aqui pelo blogue da agripina, espreitei e senti um diálogo entre duas e a mesma pessoa... é estranho, mas é a sensação que me fica

passa para o rol dos blogues com leitura diária... gostei bastante

Júlia disse...

O [sincronicidade] passará, igualmente, a ser leitura diária. Também gostei muito.