terça-feira, abril 25, 2006

Também nunca sei se o mundo nos adormece ou acorda a memória. O mundo é tudo o que é outro, claro. Nunca sei se é um voo de mim ou se me deixa mais comigo, emaranhada no meu próprio ninho. Mas também te digo que as palavras dos outros são normalmente ditas com a minha voz. Pode parecer estranho, mas é verdade, como é verdade que quase me aflige o silêncio do frigorífico. Os silêncios, em geral. E os ponteiros parados também são palavras quietas. Se bem que, penso-o muitas vezes, os corpos sem alma são de confiança. Mais tarde ou mais cedo, o frigorífico sempre diz alguma coisa. E, quando partir, há-de, inevitavelmente, regressar, ou outro por ele (é sempre outro que regressa, como se sabe), para retomar a sua voz na casa. Mas, como dizia, porque era isto que dizia, esperar é um verbo triste, um verbo sozinho. A vida empenhada ao vazio. E se também teço os dias para desfazê-los depois, é porque quero, insidiosamente, matar o Tempo. Mas suponho que toda a gente viva em estado de esperança, mais ou menos dissimulada, que em cada um haja farrapos de nada que teimosamente entrelaça num tecido ingénuo. É que, se repararmos bem, o zumbido do frigorífico parece mesmo o mar na praia de Ítaca, não é?

8 comentários:

João Villalobos disse...

Gosto muito dos vossos textos Margarida. Obrigado pela intervenção no Prazeres e pelo link aqui :)
Bjs

Paulo Cunha Porto disse...

Querida Margarida:
cá venho retribuir a visita e dizer o quanto gostei deste "post". Que a rememoração e o sonho suspendem o tempo e fundem as vocalidades neles intervenientes, é ponto assente, na medida em que são produto do império de um espírito singular. Que também conduzam à abolição do espaço e à identificação de novas fontes, é consequência da excitação da sensibilidade, resultante da interacção das referências do Ser que (as) medita.
Beijinhos.

Margarida disse...

Bem, Paulo, sem querer afugentar futuras visitas, vejo-me forçada a informar que é expressamente proibido deixar aqui comentários que de algum modo ofusquem os posts. As coisas interessantes dizemos nós! Assim, uma pessoa sente que está a receber um tipo de smoking vestida de pijama e pantufas, é que nem tive tempo de ajeitar as palavras, de alisar as frases...

Agora a sério: obrigada pela visita e pelo comentário.

Beijinhos!

Paulo Cunha Porto disse...

Querida Margarida:
É bondade demasiada, a da resposta. Pegando no tom, poderia dizer que não precisa de atavios Quem tão apelativo é, por Si.
Mas tenho a agradecer o "link" e garantir que fico cliente habitual. Não se livram de mim. É que, na blogosfera, nem tudo é um mar de rosas...
Beijocas.

Margarida disse...

Era o que eu temia, Paulo,era o que eu temia! Eu bem disse à Júlia antes de criarmos o link para o Misantropo! Agora, pronto."Mas escreve tão bem e não sei quê..." Um leitor de Eça é sempre um comentador de respeito, eu disse-lhe ( a verve, o sarcasmo e tal)... De qualquer forma, estamos preparadas - e vou prevenindo que até o meu gato se chama João da Ega, pelo que venham daí esses espinhos!

Obrigada pela referência misantrópica, e pela promessa.

Beijinho!

Paulo Cunha Porto disse...

Nome fabuloso, o do Bichano...
Os espinhos complementares des Belas Rosas que sois, não?
Hihihihi! Já esfrego as mãos.
Bj.

Anónimo disse...

Excellent, love it!
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Anónimo disse...

Where did you find it? Interesting read » » »