domingo, abril 30, 2006

Que me deixasse disso, que as marionetas dos dias decalcados, a puxar corpos cheios de costumes são coisas minhas, que o tempo lisinho é coisa que não há por fora. Que isso meu. Disse-me isso.
Está hoje um dia repetido.
E desmanchou-se logo. E eu a dar-lhe atenção, como se os bocados de nós, aqueles que nos empurram à parede, puxam pelo colarinho, ameaçam com uma mão cheia de veias que a pele não tem força para baixar e atiram um não é nada disso!, devessem ser ouvidos. Devem? Talvez, mas há a minha teimosia de saber o pouco tempo que ficam. Desmanchou-se logo, porque já a porta para trás, a decisão do café e a rua corcunda de tudo nos seus lugares, de uma urgência de tudo a postos.
Se se mantivesse inteiro, ter-me-ia explicado, talvez, que o que se não diz, que o vermo-nos o avesso, que o remoinho das palavras de mão na boca são desassossegos da escrita.
Que me deixasse disso.
Mas dizia-te que está um dia vulgar, as casas encaixadas, as pessoas ao mesmo ritmo e, se for altura de loiça na máquina, há-de descer o tronco de mão atrás. Desmanchou-se.
Se te aparecer um bocado desses, com veias de fúria de só é dentro de ti!, chega-lhe o ouvido aí um centímetro de tempo, deixa-o estar. Sempre é um aconchego a um instante como se houvesse uma condenação à calma. À ilusão.

2 comentários:

Paulo Cunha Porto disse...

Querida Júlia:
Dei comigo a pensar se as interpelantes condenações à calma ou à agitação que no nosso íntimo se desenrolam não serão mais alternadas do que alternativas. E se, na sucessão de umas ao apogeu das outras, não residirá o segredo da interioridade. Partindo dessa certeza, a que, em momentos menos complacentes, poderemos chamar falácia, talvez não tardemos em reconhecer que os turbilhões da escrita são as depurações dos congéneres do pensamento. Os quais, morigerados pela desaceleração que implica compor o texto, esperam fazer ganhar nova vida com a reacção que suscitem.
Beijinho deslumbrado, entre o frenesi e a calmaria.

Júlia disse...

Sim, provavelmente mais alternadas. Pouco confortável, a inquietação, mas o caminho para a escrita. E, com ela, por vezes, mais do mesmo.
Beijinho.